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05/01/2021 Dinheiro

Crise fiscal e conflito entre cortar e gastar são desafios em 2021

Em um governo com divergências internas, que coloca em lados opostos a equipe econômica e as alas política e militar, quando o assunto é o tamanho do gasto público, 2021 promete ser um ano de disputa pelos limitados recursos do Tesouro.

Com um Orçamento de cerca de R$ 1,5 trilhão, o governo terá liberdade para manejar menos de R$ 100 bilhões. São os chamados gastos discricionários, que incluem investimentos e despesas para a manutenção da máquina pública.

O restante são verbas carimbadas, como os recursos voltados aos pagamentos de salários de servidores públicos e benefícios previdenciários.
O Brasil não gera superávit fiscal desde 2014, o que significa que o governo vem gastando mais do que arrecada (já desconsiderando a despesa com os juros da dívida pública).

O buraco nas contas vai atingir um patamar sem precedentes em 2020 devido à pandemia. Só com medidas emergenciais para o combate à crise sanitária, o gasto ficou em torno de R$ 600 bilhões, o que deve levar o resultado primário do ano a um déficit de R$ 844 bilhões, segundo a estimativa oficial.

E os rombos continuam. Para 2021, o governo estabeleceu uma meta de déficit de R$ 247,1 bilhões para as contas do governo federal. Se confirmado, esse valor será o segundo pior já registrado pelo Tesouro, perdendo apenas para o atípico ano de 2020.

A forte expansão de gastos para mitigar os efeitos da pandemia levou a uma disparada no endividamento público, antes já elevado e acima do de países como a Alemanha. A dívida bruta do governo, que encerrou 2019 em 74,3% do PIB, deve fechar 2020 em 91% do PIB, segundo estimativa oficial.

A dívida do governo passou de R$ 4,5 trilhões em 2020, com prazos mais curtos de pagamento e juros maiores, e a tendência é continuar subindo pelo menos até 2030, se o governo não adotar medidas de restrição de gastos, ampliação da arrecadação ou ações extraordinárias, como a privatização de estatais e venda de outros ativos.

Ainda sem controle da pandemia e sem vacinas disponíveis para os brasileiros, a virada de 2020 para 2021 traz de volta as regras fiscais, suspensas no período de calamidade pública (encerrado no dia 31).

Com isso, o governo terá de respeitar novamente a meta para o resultado primário e o limite imposto pelo teto de gastos, regra que impede que as despesas públicas cresçam mais do que a inflação.

Embora membros da equipe econômica afirmem que o governo conseguirá passar por 2021 sem descumprir a norma, especialistas apontam que há risco de rompimento do teto.

Por isso, o Ministério da Economia quer a retomada da agenda de mudanças estruturantes e medidas de ajuste fiscal, como a reforma administrativa (que diminui gastos com servidores), a reforma tributária (que simplificaria normas e aumentaria a competitividade) e a proposta do pacto federativo (que revê despesas).

Mas o ministro Paulo Guedes (Economia) não obtém consenso para as medidas nem mesmo entre os colegas de governo. Membros das alas política e militar defendem uma maior liberdade para ampliar despesas em obras públicas sob o argumento de que isso poderia estimular a atividade econômica.

Também há pressão entre especialistas e parlamentares para que o governo amplie gastos com saúde para combater a pandemia e reforce programas de assistência social para amparar pessoas que ficaram sem emprego e perderam renda na crise sanitária.

Na visão dos analistas, o ajuste fica ainda mais comprometido sem o presidente Jair Bolsonaro liderar a discussão pelas mudanças.
A Folha ouviu a opinião de diferentes economistas sobre os cenários para 2021 e o futuro da agenda econômica.

‘PREOCUPAÇÃO DE BOLSONARO É SÓ COM SEU PROJETO POLÍTICO’
As sociedades colapsam quando quem está próximo ao poder toma decisões boas para si, mas ruins para a população em geral. Essa é uma das teses do biólogo evolucionário Jared Diamond, que integra o rol de ganhadores do Prêmio Pulitzer.

O autor, que também aponta como causas da ruína fatores como o esgotamento de recursos naturais —muitas vezes sem que as populações notem o problema ou criem medidas para solucioná-lo—, é citado em análise sobre o problema das contas públicas brasileiras feita pelo economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central.

“Acho que se aplica ao nosso caso”, afirma. “O mais triste é identificar o problema, saber como resolver, mas não conseguir gerar o consenso político para solucionar”, diz.

Schwartsman cita Diamond para ilustrar sua visão de que os agentes políticos do país e seus grupos mais próximos têm tomado decisões que privilegiam a si mesmos enquanto travam o andamento de uma série de reformas cruciais para solucionar os problemas fiscais e da atividade econômica.

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa visão aconteceu em 15 de setembro do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro divulgou vídeo em redes sociais, repetido amplamente nos telejornais, vetando a mera discussão de revisões de gastos sociais.

Bolsonaro afirmou que não retiraria recursos dos pobres para dar aos paupérrimos e ainda disse que não se deveria falar mais durante seu mandato sobre o Renda Brasil (programa social que teria abrangência maior que o Bolsa Família e dependia de cortes em outras áreas).

A fala jogou um balde de água fria na equipe econômica, que considera ineficientes programas como o abono salarial (espécie de 14º salário de até R$ 1.045 aos trabalhadores formais que recebem até dois mínimos mensais). A visão da equipe era que redirecionar tais recursos aos mais vulneráveis, por meio de iniciativas similares ao Bolsa Família, seria mais eficiente para reduzir a desigualdade.

Mas, diante do risco de as mudanças soarem impopulares, Bolsonaro vetou as discussões e acabou travando conversas sobre as mudanças. Outras sugestões, como a revisão de subsídios e de gastos tributários, também não foram adiante.

“A preocupação do presidente é basicamente com o projeto político dele. E de como ele pode estar sendo operado, dado que não tem capacidade para entender uma série de coisas que estão acontecendo”, afirma o economista.

Schwartsman vê falta de liderança para discussões e a equipe econômica dando voltas em si mesma. Para ele, o cenário deve fazer com que nenhuma reforma relevante avance até 2022.

“Podemos debitar isso na falta de preparo do presidente da República. Mas não é nenhuma surpresa, a gente sempre soube disso. Um deputado absolutamente apagado por 30 anos, com limitações muito claras no que diz respeito à economia”, afirma.

Apesar das críticas ao presidente, o ex-diretor do BC também vê culpa em outros atores pela falta de andamento de certas discussões, como o Congresso e servidores públicos contrários a mudanças que os afetem.

Nesse caso, o principal exemplo citado é o da reforma administrativa, enviada pelo governo aos parlamentares sem afetar os atuais servidores e, portanto, com efeito praticamente nulo a curto e médio prazo.

“A sociedade brasileira não está preparada para abrir mão de seus privilégios. Os grupos que estão próximos ao centro de poder não querem, e o funcionalismo, que não teve redução de jornada e salário na pandemia, tem articulação política para isso”, afirma Schwartsman.

A reforma reduziria os recursos destinados aos empregados públicos, mas não é discutida de maneira mais ampla diante de pressões dos servidores sobre o governo e o Congresso.

A despesa com pessoal é o segundo maior gasto primário da União (exceto juros), atrás apenas da Previdência, e demandará R$ 338,4 bilhões em 2021. Isso contempla desde professores de escolas públicas até juízes federais que acumulam diferentes benefícios e chegam a receber três dígitos em um mês, os colocando entre os mais ricos da população brasileira.

Schwartsman diz que resolver a questão fiscal é urgente, mas apenas parte dos problemas do país. Para ele, há também um problema sério de produtividade a ser amenizado com a reforma tributária.

Empresas brasileiras gastam, em média, 1.501 horas por ano para lidar com a burocracia de impostos, quase dez vezes a média da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne países ricos.

Ele também vê como necessário promover regras para tornar o país mais competitivo. Mas volta ao ponto inicial ao dizer que as mudanças precisariam de consenso político, algo que, na visão de Diamond, é dificultado quando a elite política está isolada das consequências “vivendo em ambientes cercados e bebendo água engarrafada”.

“A solução dos problemas está clara, não é uma questão de inventar nada. Mas é muito complicado gerar um consenso, e isso é reflexo de uma sociedade em que cada um briga pelo seu e não pelo conjunto”, afirma Schwartsman.

‘FIM DO ANO-CALENDÁRIO NÃO MATA O VÍRUS, GOVERNO PRECISA AGIR’
A economia não está se recuperando em “V”, o teto de gastos tem risco de ser rompido em 2021, e o auxílio emergencial será necessário neste ano. A avaliação, que destoa do discurso do governo, é do economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado).

Avesso à ideia de que a pandemia pode estar mostrando uma tendência concreta de piora, o ministro Paulo Guedes (Economia) mantém como pilar do plano A um começo de 2021 sem grandes manobras orçamentárias, com as contas públicas voltando à normalidade.

O ministro afirma que o país ainda tem um prazo até meados de fevereiro para avaliar a situação da pandemia. De acordo com ele, medidas emergenciais adotadas em 2020 terão efeito no início deste ano. Ao mesmo tempo, Guedes conta com sobras de recursos do Orçamento de 2020 para lidar com eventuais emergências.

Para Salto, o governo não deveria estar com essa sensação de controle do problema. Segundo ele, a economia vem se recuperando, mas em ritmo lento.
“Ainda que o ministro Paulo Guedes diga que está tirando aos poucos o auxílio emergencial, ele chama de ‘aos poucos’ mudar de R$ 600 para R$ 300 e de R$ 300 para zero. Não é um argumento que para de pé. O fim do ano-calendário não vai matar o vírus, o governo precisaria ter uma força-tarefa para ver o que dá para cortar no Orçamento de 2021 para financiar essas despesas que serão necessárias”, disse.

De acordo com o economista, todos os países do mundo tiveram de aumentar gastos em 2020 para combater a pandemia. A diferença, segundo ele, é que alguns estavam menos preparados quando a crise sanitária chegou —o Brasil se insere nesse grupo.

Para ele, o país estaria em situação mais confortável se tivesse aprovado antes um conjunto de medidas para reduzir os gastos obrigatórios.
“Essa dívida astronômica que vamos ter em 2020 é muito preocupante”, disse.

Na avaliação de Salto, o caminho para a solução dos problemas fiscais não passa por uma flexibilização imediata da regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação.

Pelas projeções da IFI, é alto o risco de rompimento do teto já em 2021.
“Não adianta o governo repetir ‘vou cumprir o teto’ quando todo o mundo está vendo que é impossível. Esse é um encontro marcado que o governo tem com a discussão das regras fiscais”, disse.

O roteiro defendido pelo economista passa, em primeiro lugar, por uma mudança na Constituição para fazer o teto de gastos valer integralmente.

Hoje, o governo alega que só pode acionar os gatilhos de ajuste fiscal previstos no teto depois que a regra foi descumprida. Salto afirma que é necessário antecipar o acionamento desses gatilhos. Há propostas no Congresso nesse sentido.

“A regra existe, tem suas vantagens, mas é uma regra capenga, porque a válvula de escape não funciona, os gatilhos não podem ser acionados”, afirmou.
Com essa medida, seriam ativados, por exemplo, congelamento de salário de servidores, suspensão da criação de cargos e benefícios, da contratação de pessoal e da ampliação de incentivos fiscais.

O movimento, afirma, daria tempo para que o governo e o Congresso fizessem uma discussão séria ao longo do ano que vem sobre a sustentabilidade da regra fiscal.

O teto de gastos criou um complicador para o governo ao não permitir, por exemplo, que as despesas públicas acompanhem um eventual movimento de crescimento da atividade econômica.

“Quando tem uma melhora cíclica da economia, a receita melhora, o resultado primário melhora, mas não resolve seu problema de gastos”, disse o economista.

“O objetivo da política fiscal é a sustentabilidade da dívida pública, não é o teto de gastos. O teto pode ajudar, mas ele precisa ser calibrado.”
O acionamento de gatilhos não seria suficiente para abrir espaço para as demandas necessárias em 2021, afirma Salto. Por isso, ele defende a revisão de outros gastos.

Segundo o diretor da IFI, seria possível fazer cortes em subsídios creditícios, que contam com a cifra de R$ 14 bilhões no Orçamento deste ano. Também haveria espaço para cortes em concursos —para 2021, há previsão de 50,9 mil contratações a um custo de R$ 2,4 bilhões já no primeiro ano.

“A partir de 2022 e 2023, não tem jeito de você segurar o crescimento do gasto apenas pela inflação, é impossível. Não é uma questão de desejo, é uma questão de número. Para respeitar o teto, você teria que reduzir as despesas discricionárias a um nível tal que você paralisaria o país”, afirmou Salto.

‘SOLUÇÃO PARA A ECONOMIA É TER PLANO URGENTE DE VACINAÇÃO’
No atual cenário de estrangulamento das contas do governo e grave crise fiscal, a principal solução virá da área de saúde, avalia o economista Guilherme Tinoco, especialista em finanças públicas. Para ele, um plano urgente de vacinação deveria ser a prioridade do governo para salvar a economia e, por consequência, as contas públicas.

O tema está no centro de um embate do governo. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro e membros da ala ideológica do governo desestimulam e colocam em dúvida o processo de vacinação. De outro, a equipe econômica pede que toda a população seja imunizada o mais rápido possível.

“Me preocupa muito o comportamento do governo, que não está sabendo planejar a vacinação. Neste ano, a vacina é o principal instrumento para gerar empregos e fazer a economia crescer. O principal para a economia e, consequentemente, para a situação fiscal do país é você ter um plano de vacinação o mais urgente possível”, disse.

Jair Bolsonaro afirma que a imunização não será obrigatória e fala em assinatura de termo de responsabilidade para que uma pessoa receba o imunizante. Ao mesmo tempo, o ministro Paulo Guedes (Economia) diz que o retorno seguro dos brasileiros ao trabalho só será possível com a vacinação em massa da população.

Neste início de 2021, o economista acredita que será necessária a manutenção de um auxílio a pessoas que perderam renda na pandemia.
“Enquanto o mercado de trabalho estiver muito impactado e com o vírus correndo, alguma forma de auxílio você teria que fazer. Eu sei que é complicado, porque estamos falando de uma dívida muito avançada e um déficit primário que a gente nunca teve”, disse Tinoco.

Para isso, o economista sugere estratégias que permitiriam uma abertura no Orçamento. Entre elas, está uma espécie de afrouxamento do teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação.

Em 2021, o governo terá de voltar a cumprir as regras fiscais. Na norma vigente, não há margem no teto para uma expansão de gastos com saúde ou programas sociais em 2021.

Mestre pela USP, Tinoco é servidor de carreira do BNDES. Em parceria com o economista Fabio Giambiagi, ele publicou um estudo no banco público que sugere flexibilizar o teto de gastos.

“Já que está muito difícil de cumprir o teto, você poderia pensar em uma flexibilização que desse a ele uma sustentabilidade de longo prazo, uma regra que as pessoas realmente acreditassem e que permitisse lidar com a pandemia.”

Tinoco afirma que a proposta teria de ser levada ao debate e sugere possíveis mudanças para a regra. Os gastos do governo poderiam, por exemplo, ter aumento de 1% ou 1,5% acima da inflação. Os investimentos ficariam fora do teto.

Para ele, a medida teria de ser acompanhada de outras propostas que sinalizassem um compromisso com o controle da dívida pública.

“É flexibilizar um pouco para deixar a regra cumprível, mas também forçar o governo a fazer algumas reformas.”

Com essa discussão em conjunto, Tinoco acredita que a mensagem seria bem recebida pelos agentes do mercado.
Em sua avaliação, seria importante dar andamento à reforma administrativa, mesmo que o impacto fiscal de curto prazo não seja relevante. Ele defende ainda uma revisão dos incentivos tributários.

“Tem muito espaço na conta dos subsídios. Mais uma vez, Guedes falou que ‘na semana que vem faremos um anúncio de redução drástica de benefícios tributários’. Como sempre, promete e não vai entregar. Esse até poderia ter sido um sinal, mas não é algo que você faz em dezembro”, disse.

Na equação para 2021, Tinoco crê que o Brasil precisará contar com alguns fatores: crescimento para ampliar a arrecadação, implementação de reformas e manutenção de uma âncora fiscal, com flexibilização que seja acompanhada de medidas claras para redução de gastos.

‘GOVERNO SUBESTIMOU COVID, E CONSEQUÊNCIA PODE SER SEVERA’
O Brasil entra em 2021 sem vacinas, sem ter feito reformas fiscais para acomodar novos gastos e ainda cercado de incertezas sobre a economia em meio ao avanço da doença.

Marcos Mendes, ex-assessor especial do Ministério da Fazenda, um dos autores da regra do teto de gastos e colunista da Folha, vê dois possíveis cenários para o ano. O primeiro é o vírus no controle da situação, com um avanço de infecções e mortes que forçará a renovação do estado de calamidade pública, o que abre caminho para mais parcelas do auxílio emergencial e diversos outros gastos.

“Isso vai minar a possibilidade de ajuste fiscal, e a consequência vai ser severa sobre a economia. Já estamos no limite do limite da sustentabilidade da dívida pública. Se o Tesouro começa a ter muita dificuldade para rolar dívida, vai ter juros maiores, com fuga de capital, estagnação e inflação.”

O segundo cenário visto por ele é a pandemia não acelerar tanto, o que levaria a um ano mais tranquilo, com fundamentos econômicos mais estáveis, e com maior probabilidade de cumprir o teto.

“A tendência [nesse caso] é que a inflação caia em 2021. Como o teto de gastos é reajustado pela inflação registrada até metade do ano anterior, o cumprimento em 2022 deve ser mais fácil, e o presidente termina o mandato cumprindo a regra”, afirma.

Os cenários são traçados após o país perder a oportunidade de tomar iniciativas para realocar recursos e proteger os mais vulneráveis, diz Mendes.
O governo não conseguiu, por exemplo, que o Congresso votasse uma proposta que revia gastos. A PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, considerada crucial pela equipe econômica para abrir espaço no Orçamento para os mais vulneráveis, ficou para este ano.

Mendes lamenta a oportunidade perdida, causada também pela divisão política. “Em toda a história das nações, as graves crises são oportunidades de o país remover alguns bloqueios para o desenvolvimento.

No Brasil, um deles é nossa baixa capacidade de chegar a consensos. Temos uma sociedade dividida, de baixa coesão social, e as pessoas tendem a buscar o interesse individual em detrimento do coletivo”, diz.

Na visão de Mendes, o cenário de urgência exigia a liderança do presidente. “Este era um momento em que um líder da nação, um presidente, deveria se pronunciar à nação dizendo que estamos em uma situação difícil, que estamos todos no mesmo barco, que precisamos enfrentar a reorganização do país e pedir sacrifício de todos, removendo uma série de benefícios que vários grupos sociais têm, e não só os mais ricos como também a classe média.”

Para Mendes, o governo ainda deveria anunciar que reveria toda a estrutura de benefícios sociais, reorganizar o setor público, atender os mais pobres e ao mesmo tempo equilibrar as finanças para o país sair com capacidade de dar uma volta por cima.

Mendes participou da coordenação do Programa de Responsabilidade Social, uma proposta legal formulada pelo CDPP (Centro de Debate de Políticas Públicas) que busca mais eficiência em gastos sociais ao redesenhar programas como o salário-família, o abono salarial e o seguro-defeso.

Esse tipo de medida foi tentada pela equipe econômica, mas barrada por Bolsonaro quando ele disse publicamente que não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos. “A frase é muito forte, mas populista. Há uma série de programas que não mudam a pobreza nem na casa decimal”, diz Mendes.

Em sua visão, a chance de promover mudanças mais profundas no gasto público foi desperdiçada. “Perdemos a oportunidade de chamar a atenção da sociedade para o problema [de desequilíbrio] e impulsionar as reformas. O que o governo fez foi negar o problema [da Covid], fazer pouco-caso e apresentar soluções inócuas, como medicamentos ineficazes”, diz.

Ele afirma que, sem uma sinalização clara do presidente, as políticas não andam no Brasil. “Se não tiver um presidente com lista clara do que deve ser a prioridade, fica à deriva. É isso que estamos vendo.”

Caso os bloqueios políticos para mudanças mais profundas continuem, a solução que resta à equipe econômica seria encontrar agendas que, embora não urgentes, fariam diferença para o crescimento (como a nova Lei de Falências, a nova Lei de Licitações e a da cabotagem, aprovadas em 2020).

“Tudo isso vai melhorando a economia e ajudando na questão fiscal. Quanto melhor o nível de produção do país, maior a condição de o país honrar sua dívida”, afirma.

Além disso, continua importante jogar na defesa e evitar flexibilidades em regras fiscais, como o teto, que foram tentadas em diferentes momentos e por diferentes atores (do governo, do Congresso e até do Judiciário) em 2020. “É preciso evitar o pior, que você desmonte as regras fiscais e não coloque nada no lugar. Esse seria o pior cenário”, diz.

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